terça-feira, 1 de novembro de 2011

HISTÓRIA DA ÓPTICA

 HISTÓRIA DA ÓPTICA
1. O princípio
As origens da tecnologia óptica situam-se na antiguidade remota. No livro do Êxodo, 38:8 (1200 a.C.), conta-se como Bezaleel, na preparação da Arca e do Tabernáculo, utiliza "os espelhos das mulheres" para construir a bacia de bronze (um recipiente sagrado). Os espelhos primitivos eram feitos de cobre polido, bronze, e mais tarde, de espéculo, uma liga de cobre rica em estanho.
Os filósofos gregos Pitágoras, Demócrito, Empédocles, Platão, Aristóteles e outros desenvolveram várias teorias sobre a natureza da luz (sendo a do último muito semelhante à teoria do éter, do século XIX). A propagação rectilínea da luz era conhecida, tal como o era a lei da reflexão. Foi enunciada por Euclides (300 a.C.) no seu livro Catoptrics. Herão de Alexandria tentou explicar estes dois fenómenos, afirmando que a luz percorria sempre o caminho mais curto entre dois pontos. A quebra aparente de objectos parcialmente imersos em água é mencionada por Platão na República. A refracção foi estudada por Cleomedes (em 50 d.C.) e, mais tarde, por Cláudio Ptolomeu (em 30 d.C.), de Alexandria, que construiu tabelas com medidas de ângulos de incidência e de refracção em vários meios.
Depois da queda do Império Romano do Ocidente (475 d.C.), que marca o início da Idade Média, o progresso científico na Europa fez-se durante algum tempo muito lentamente. O centro da cultura deslocou-se para o mundo árabe, onde foram preservados os tesouros científicos e filosóficos do passado. A óptica desenvolveu-se, em vez de ficar intacta mas adormecida, como aconteceu a uma parte da ciência de então. De facto, Alhazem (em 1000 d.C.) aperfeiçoou a lei da reflexão, estabelecendo que as direcções de incidência e reflexão se encontram no mesmo plano normal à superfície reflectora, estudou espelhos esféricos e parabólicos e fez uma descrição detalhada do olho humano.
No fim do século XIII, a Europa começou a sair do seu trono intelectual. O trabalho de Alhazem foi traduzido para o latim e teve grande influência nos escritos de Robert Grosseteste (1175-1253), bispo de Lincoln, e do matemático polaco Vitello (ou Witelo). Os seus trabalhos foram dados a conhecer ao franciscano Roger Bacon (1215-1229), que pode ser considerado o primeiro cientista, no sentido moderno da palavra. Bacon sugeriu a utilização de lentes para compensar os defeitos visuais e lançou a ideia da combinação de lentes para construir um telescópio.
Este modesto conjunto de acontecimentos preenche, na sua maior parte, o que pode ser considerado como o primeiro período da óptica. O turbilhão de resultados e de novidades ficaria reservado para mais tarde, no século XVII.
2. Os séculos XVII e XVIII
Não se conhece exactamente o inventor do telescópio dióptrico; nos arquivos da cidade de Haia, está registado um pedido de patente para um tal telescópio, com a data de 2 de Outubro de 1608, feito por um fabricante de óculos holandês chamado Hans Lippershey (1587-1619). Galileu Galilei (1564-1642), em Pádua, ouviu falar nesta invenção e, em alguns meses, construiu o seu próprio aparelho, polindo ele mesmo as lentes à mão. O microscópio composto foi inventado na mesma altura pelo holandês Zacharias Janssen (1588-1632). Em 1611, Kepler publicou a Dioptrics. Tinha descoberto a reflexão interna total e obtido a aproximação para pequenos ângulos da lei da refracção, no quadro da qual os ângulos de incidência e de refracção são proporcionais. Willebrord Snell (1591-1626), professor em Leyden, descobriu experimentalmente, em 1621, a lei da refracção há tanto procurada. Ao compreender exactamente como é que os raios de luz são deflectidos ao atravessar a fronteira entre dois meios, isto é, um dioptro, Snell abriu a porta para a óptica aplicada contemporânea. René Descartes (1596-1650) publicou pela primeira vez a formulação da lei da refracção usando senos, hoje tão familiar.
Pierre de Fermat (1601-1665), ignorando os pressupostos de Descartes, deduziu também a lei da reflexão, com base no seu princípio do tempo mínimo (1657). Partindo do princípio de Herão, do percurso mínimo, afirmou que a luz, ao propagar-se de um ponto para outro, escolhe o caminho para o qual o tempo de percurso é mínimo mesmo que, para tal, se tenha de desviar relativamente ao caminho mais curto.
A difracção, isto é, o desvio relativamente à direcção de propagação rectilínea que ocorre quando a luz se propaga para além de um obstáculo, foi observada pela primeira vez por Francesco Maria Grimaldi (1618-1663), no colégio dos Jesuítas, em Bolonha. Robert Hooke (1635-1703), experimentalista na Royal Society, em Londres, observou também fenómenos de difracção. Hooke foi o primeiro a estudar os padrões de interferência coloridos gerados por películas delgadas (Micrographia, 1665); concluiu correctamente que estes eram devidos à interacção entre a luz reflectida nas superfícies frontal e posterior do filme e propôs que a luz fosse considerada associada a um rápido movimento oscilatório do meio, propagando-se a grande velocidade. Esta foi a primeira pedra da teoria ondulatória da luz.
Isaac Newton (1642-1727) nasceu pouco menos de um ano após a morte de Galileu. Manteve-se ambivalente durante muito tempo relativamente à verdadeira natureza da luz. Seria a luz de natureza corpuscular, constituída por fluxo de partículas, como alguns defendiam? Seria a luz uma onda num meio omnipresente, o éter? Newton concluiu que a luz branca devia ser composta por uma mistura de toda uma gama de cores independentes. Defendeu que os corpúsculos de luz associados às várias cores geravam no éter vibrações características. Apesar do seu trabalho revelar uma curiosa propensão para, simultaneamente, abarcar as teorias ondulatória e corpuscular (de emissão), Newton tornou-se progressivamente adepto desta última. A razão principal para rejeitar a teoria ondulatória era, conforme afirmou então, o problema da propagação rectilínea da luz, inexplicável com base em ondas que se propagam em todas as direcções.
Enquanto Sir Isaac Newton defendia em Inglaterra a teoria da emissão, Christian Huygens (1629-1695), no continente europeu, difundia largamente a teoria ondulatória. Ao contrário de Descartes, Hooke e Newton, Huygens concluiu correctamente que a luz, de facto, abrandava ao penetrar em meios mais densos. Foi capaz de explicar as leis da reflexão e da refracção e chegou mesmo a explicar com base na teoria ondulatória a dupla refracção na calcite.
O grande peso da opinião de Newton abafou a teoria ondulatória durante o século XVIII, silenciando todos menos os seus defensores acérrimos.
3. O século XIX
A teoria ondulatória renasceu nas mãos de Thomas Young (1773-1829), um dos principais físicos do século XIX. Em 12 de Novembro de 1801, 1 de Julho de 1802 e 24 de Novembro de 1803, Young apresentou comunicações à Royal Society defendendo a teoria ondulatória e incorporando-lhe um novo conceito fundamental, o chamado princípio das interferências. Young conseguiu explicar as franjas coloridas de películas delgadas e determinou os comprimentos de onda de várias cores utilizando os dados de Newton. À sombra da pressuposta infalibilidade de Newton, os ingleses não estavam ainda preparados para aceitar o discernimento de Young e este acabou por desanimar.
Augustin Jean Fresnel (1788-1827) nasceu em Broglie, na Normandia, França, e iniciou os seus trabalhos sobre a teoria ondulatória sem conhecer os esforços de Young cerca de 13 anos antes. Fresnel unificou os conceitos inerentes à descrição ondulatória de Huygens e ao princípio das interferências. Quando deu conta dos trabalhos anteriores de Young relativos ao princípio das interferências, foi um Fresnel algo desapontado que escreveu a Young, dizendo-se consolado por se encontrar em tão boa companhia. E os dois grandes homens tornaram-se aliados. Fresnel desenvolveu uma descrição mecanicista das oscilações do éter, trabalho que culminou nas suas famosas equações para a amplitude da luz reflectida e transmitida. Por volta de 1825, a teoria corpuscular tinha já muito poucos defensores acérrimos.
O estudo da electricidade e do magnetismo estava a ser feito em paralelo com o da óptica. James Clerk Maxwell (1831-1879) agregou brilhantemente todos os conhecimentos experimentais acumulados sobre os fenómenos eléctricos e magnéticos num conjunto único de equações matemáticas. Com base nesta notável síntese sucinta e simétrica, Maxwell foi capaz de mostrar teoricamente que o campo electromagnético se podia propagar como uma onda transversal no éter e obteve a velocidade de propagação dessa onda em função de propriedades eléctricas e magnéticas do meio. Utilizando valores conhecidos, determinados empiricamente, chegou a um resultado igual ao determinado experimentalmente para a velocidade da luz! A conclusão era inequívoca - a luz é "uma perturbação electromagnética que, sob a forma de ondas, se propaga através do éter".
A teoria ondulatória da luz parecia exigir a aceitação da existência de um substracto que tudo penetrava: o éter. Parecia óbvio que as ondas só se podiam propagar num meio de suporte. Assim, e naturalmente, muito do esforço científico foi orientado para determinar a natureza física desse éter.
4. A óptica no século XX
Após experiências infrutíferas quanto à confirmação da existência do éter, a luz foi encarada como uma onda que existia por si própria e a ênfase conceptual passou do éter para o campo. A onda electromagnética tornou-se uma entidade própria.
Em 1905, com base na hipótese de Planck, Einstein propôs uma nova teoria corpuscular, segundo a qual a luz seria constituída por glóbulos ou "partículas" de energia. No final dos anos vinte, devido aos esforços de Bohr, Born, Heisenberg, Schrödinger, De Broglie, Pauli, Dirac e outros, a mecânica quântica transformou-se numa teoria bem fundamentada e tornou-se gradualmente evidente que os conceitos de onda e partícula, que no mundo macroscópico se parecem excluir mutuamente, deviam ser fundidos no domínio submicroscópico. Descobriu-se que as "partículas" podiam dar origem a padrões de interferência e difracção, exactamente como a luz.
O florescimento da óptica, na segunda metade do século XX, representa um verdadeiro renascimento. O computador veio melhorar significativamente o desenho de sistemas ópticos complexos. As fibras ópticas evoluíram e têm aplicações operacionais; existem já guias de ondas em dieléctricos. O domínio do infravermelho no espectro da luz tem sido amplamente utilizado em sistemas de vigilância, condução de mísseis, etc, o que, por sua vez, estimulou o desenvolvimento de novos materiais para o infravermelho. Os plásticos começaram a ser utilizados em óptica (lentes, reprodução de redes, fibras, elementos asféricos, etc). Desenvolveu-se uma nova classe de cerâmicas parcialmente vitrificadas, com coeficientes de expansão térmica muito reduzidos. O primeiro laser foi construído em 1960; numa década apenas, os lasers cobriram uma parte do espectro, do infravermelho ao ultra-violeta. A técnica de reconstrução de frentes de onda, conhecida por holografia, produz imagens tridimensionais magníficas. Têm sido desenvolvidas descobertas numerosas aplicações adicionais (ensaios não destrutivos, arquivo, etc).
Considerações económicas associadas à necessidade de melhorar a qualidade de vida têm, mais do que nunca, levado os produtos da óptica até ao consumidor. Os lasers são hoje utilizados em tudo: na leitura de discos compactos, no corte de aço, na impressão de jornais, na leitura de códigos de barras em supermercados, na cirurgia dos hospitais, etc. Uma revolução de vasto alcance no modo de processar e transmitir informação está a surgir discretamente, uma revolução que alterará significativamente a vida de todos nós, nos próximos anos.
Os conhecimentos profundos não são fáceis de obter. Pouco se aprendeu nos últimos três mil anos embora o ritmo de aprendizagem seja cada vez mais rápido. É maravilhoso, de facto, assistir a mudanças subtis da resposta à pergunta que permanece imutável: o que é a luz?
Eugene Hecht, ÓPTICA, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1991 (colagem de extractos do capítulo 1, por vezes ligeiramente adaptados)